Texto e obra: Dr. João Barroso (Médico)
Vamos retornar ao Itapajé em seus primórdios, quando o Ceará era há pouco o Siará Grande, parte do bucólico e romântico Império do Brasil. Pelo menos é essa minha idealização da época desses homens bravos que tinham, em sua maioria, zelo por sua reputação e pela palavra empenhada. Que defendiam sua família e propriedades com amor e honra. As mulheres, do mesmo modo, eram em sua grande maioria verdadeiras deusas. Eram dignas de todo o respeito, a quem os filhos obedeciam e amavam de uma forma intensa. Era, entretanto, uma época difícil, em uma fase tardia da cultura dos senhores de escravos e escravizados, de outros tantos libertos, de remanescentes nativos brasilianos e judeus fugidos dos horrores da inquisição espanhola que foram os antepassados de grande parte das nossas famílias.
A economia amargava ainda os baixos preços do algodão e os maus frutos da nobre e fracassada Confederação do Equador. O conhecimento médico era escasso! Doenças como Tuberculose, Pneumonia, Varíola, e tantas outras, vez por outra ceifavam a vida de alguém. As mulheres, não muito raro, morriam em decorrência do parto deixando órfãos e viúvos que cedo tratavam de procurar outras esposas e reestruturar sua família.
Voltemos, pois, aos meados do século XIX, mais precisamente em 1 de novembro de 1848, quando Francisco Rufino FerreiraGomes nasceu no ainda Riacho do Fogo, já próximo à elevação para Vila da Constituinte, que ocorreria aproximadamente 1 ano depois, desmembrada dos municípios de Fortaleza, Canindé e Itapipoca, tendo Santa Cruz de Uruburetama como núcleo administrativo. Era ele filho de Rufino Ferreira Gomes, o primeiro Ferreira Gomes a se estabelecer na região e Maria Jacyntha Cavalcanti, sua prima em primeiro grau, filha do Capitão José de Holanda Cavalcanti, todos de famílias tradicionais do norte do Estado. Seu pai, o Capitão Rufino Ferreira Gomes, é o mesmo que foi eternizado pelo poeta, escritor e naturalista Antônio Bezerra em seu famoso livro “Notas de Viagem” em que diz que, em 1846, dava assistência o vigário de Canindé, celebrando a Santa Missa em uma casa de bolandeira, pertencente a Rufino Ferreira Gomes, servindo de sino uma enxada. Era Francisco Rufino Ferreira Gomes o segundo filho de uma prole de onze irmãos. Eram eles: José Rufino, o primogênito; Lauriano; Antônio Rufino; Maria do Carmo; Vicente Rufino; Francisca Carolina; Anna Maria; Candido Rufino; Marianna e Galdino.
O nome próprio “Rufino”, tradicionalíssimo da nossa família, é homenagem a São Rufino, santo católico que foi o melhor amigo de São Francisco de Assis.
O Capitão Francisco Rufino Ferreira Gomes foi casado duas vezes:
– A primeira vez com sua prima Francisca de Lyra Pinto, filha do Cel. Francisco José Pinto, e sua terceira mulher Francisca de Lyra Pessoa, filha do Cap. Antônio Alves de Holanda Cavalcante e Mariana de Lyra Pessoa, sua tia, em 14 de julho de 1867 na Fazenda Ipueiras em Santo Antônio do Aracatiaçu. Francisca de Lyra Pinto faleceu em 7 de setembro de 1872, na Vila de São Francisco de Uruburetama, por complicações decorrentes do parto, deixando órfã uma filha chamada Francisca Ferreira Gomes, nascida a 10 de agosto de 1872 na Vila de São Francisco de Uruburetama, que viria a ser esposa de José Pedro de Farias, filho de Pedro Francisco de Farias e Rita Pinto de Mesquita;
– A segunda vez foi em 27 de novembro de 1874, com Theresa Rodrigues Barroso, filha do Capitão-mor Alexandre José Rodrigues, filho de Veríssimo Thomas Pereira e Francisca Xavier das Chagas e Anna Rodrigues de Sousa, filha do Capitão Anastácio Barroso de Sousa, natural de Amontada e morador de Santa Cruz, e Theresa Maria da Conceição de Jesus.
Theresa Rodrigues Barroso (Theresa Rodrigues Ferreira Gomes) nasceu em 28 de fevereiro de 1854, na Vila de Santa Cruz de Uruburetama.
Os filhos do segundo casamento do Capitão Francisco Rufino Ferreira Gomes nasceram todos na Vila de São Francisco de Uruburetama. São eles:
1-Anna Rodrigues Ferreira Gomes (Naninha): inupta, nasceu a 4 de agosto de 1878. Anna Rodrigues Ferreira Gomes faleceu na localidade de Jardim de Cima, em Paracuru;
2-Rufino Gomes Barroso: nascido em 20 de maio de 1880, casou a primeira vez com Nazaré Rocha Araújo, filha de Miguel Arcanjo de Araújo e Inácia Bezerra de Araújo. Ficando viúvo, Rufino Gomes Barroso casou-se novamente com sua cunhada Adélia Rocha Araújo em 1916, na localidade de Santo Antônio de Aracatiaçu. Rufino Gomes Barroso faleceu na Fazenda Bilheira, em Santo Antônio de Aracatiaçu, em 17 de fevereiro de 1966;
3- Maria do Carmo Rodrigues Ferreira Gomes (Maroquinha) nasceu a 3 de dezembro de 1882, casou-se em Aracatiaçu com Antônio Raimundo de Aguiar, filho de Raimundo Fernandes de Aguiar e Joaquina Fernandes Rocha. Maria do Carmo Gomes de Aguiar faleceu em sua residência em Fortaleza em 1977.
Maria do Carmo Gomes de Aguiar ( Cortesia do primo Rafael Lira Gomes Bastos)
4- Lídia Rodrigues Ferreira Gomes (Lídia Gomes Bastos) nasceu a 27 de março de 1883, casou-se em 30 de setembro de 1898, aos quinze anos de idade, com Orlando Pinheiro Bastos, filho do Cel. Neutel Pinheiro Bastos e Francisca Argentina de Menezes Bastos. O casamento foi celebrado em sua residência, na Vila de São Francisco de Uruburetama. Lídia Gomes Bastos faleceu em 1961, em sua residência na Avenida Duque de Caxias, em Fortaleza;
5- Adelaide Rodrigues Ferreira Gomes: nascida no ano de 1885, casou com Elias Pontes Cavalcante, filho de João Pontes Cavalcante e Ana Bezerra Cavalcante, em 9 de fevereiro de 1911 na Vila de São Francisco de Uruburetama;
6- Francisco Rufino Rodrigues Ferreira Gomes (Francisco Rufino Barroso) nascido a 25 de maio de 1886 casou-se em 17 de abril de 1918, em São Gonçalo do Amarante, com Amélia Carlos de Albuquerque, filha de Domingos Paulino de Albuquerque e Raimunda Carlos Castelo Branco. Francisco Rufino Barroso (Chico Barroso), faleceu em 13 de junho de 1975 em Fortaleza.
O Capitão Francisco Rufino Ferreira Gomes teve importante atividade comercial na Vila de São Francisco de Uruburetama sendo proprietário, juntamente com seu irmão Vicente Rufino Ferreira Gomes, de um grande estabelecimento comercial, onde vendiam ferragens, tecidos de vários tipos, chapéus, meias, ternos, coletes, calças, gravatas, pentes, armas e munições, fraldas, roupas femininas, livros escolares, calçados, enxadas, fechaduras, pregos, canivetes, talheres, espelhos, linhas, dedais de costura, pás, estribos, copos, tintas, cordas para viola e violão, botões, lápis, canetas, arames, fivelas de cabelo, cachimbos, cigarros, perfumes, querosene, farinha, sal, funis, copos, aguardente e outras bebidas, inclusive importadas, resmas de papel, envelopes, e tantos outros itens tão necessários para a comunidade da época. Além disso, tinha ele uma casa de bolandeira onde descaroçava algodão e uma prensa para compactar os fardos. Era também produtor rural e pecuarista, tendo sido possuidor de muitas propriedades. Em sua época, a província do Ceará estava em um período de incrementação em seu desenvolvimento, tendo a produção de algodão como carro chefe e de muitas outras culturas tais como o café, a cera de carnaúba, e a sempre tradicional atividade pecuária. Não foi diferente em São Francisco, bem como em toda a serra de Uruburetama, onde o algodoeiro encontrava plenas condições de cultivo levando à produção de um dos melhores algodões do mundo, senão o melhor da época, que abastecia as máquinas têxteis europeias, principalmente as inglesas. A cultura do algodão encontrou seu auge entre 1861 e 1865, quando nossos sempre concorrentes Estados Unidos estavam com a produção paralisada por conta de sua guerra civil. Consequentemente, muitos produtores lucraram bastante e fizeram fortuna, dentre os quais seu pai Rufino Ferreira Gomes. Vale, entretanto, lembrar do trágico triênio de seca de 1877 a 1879 que praticamente destruiu a província, principalmente porque ocorreu concomitantemente uma epidemia de varíola que tirou a vida de mais de 52.000 cearenses, afora as mortes não relatadas nas localidades pouco acessíveis, conforme escreveu o famoso Farmacêutico e Escritor Rodolfo Teófilo. Foi realmente um período de muitas dificuldades sociais e de muitos prejuízos econômicos para São Francisco de Uruburetama.
O Capitão Francisco Rufino Ferreira Gomes desempenhou intensa atividade política em São Francisco de Uruburetama, tendo sido um importante e atuante líder do Partido Liberal, onde algumas vezes escrevia artigos para o importante jornal “O Cearense”. Francisco Rufino Ferreira Gomes ocupou os cargos de Delegado de Polícia que, à época, tinha muitas atribuições de Intendência, e primeiro Juiz substituto, outro cargo de grande relevância, nomeado pelo então Presidente da Província Sátiro de Oliveira Dias, também do Partido Liberal. Além disso, ocupou a cadeira de vereador, tendo sido o mais votado da eleição de 1880.
Em 17 de março de 1887, numa triste quinta-feira, falece nosso homenageado vítima de uma provável complicação de cálculos biliares. Estava apenas com 38 anos completos! Uma lamentável e irreparável perda para sua família e para a Vila de São Francisco.
Em 19 de março de 1887, o jornal Liberal “O CEARENSE’ noticiou o falecimento do Capitão Francisco Rufino Fereira Gomes com essas exatas palavras: “ Acaba de abrir-se um túmulo na Villa de São Francisco de Uruburetama para recolher os restos mortaes de um cidadão prestante, um amigo dedicado, exemplar pai de família, o nosso estimado e popular chefe político d’aquela localidade, Francisco Rufino Ferreira Gomes. Uma terrível moléstia do fígado arrebatou-o d’entre seus numerosos amigos, ainda no vigor da vida, tão preciosa. À sua Exma família enviamos nossas sinceras condolências”.